sábado, 17 de março de 2012

História da Culinária Mineira


Falar da história da culinária mineira é falar das próprias origens de Minas Gerais, com a descoberta do ouro pelos bandeirantes faz surgir os primeiros povoados que deram origem às cidades de Mariana e Ouro Preto. A região já era habitada pelos índios que deram a “dica” sobre a suposta presença de ouro nos rios que cortavam aquelas montanhas.
Com início do ciclo do ouro os portugueses precisavam garantir de alguma maneira a posse das riquíssimas minas e mandaram inúmeros representantes da coroa para vigiarem a exploração. Mão-de-obra barata era a escrava, e a partir daí o tráfego negreiro se desviou para as novas terras das minas recém descobertas. Os índios, que apesar de terem fornecido os indícios da presença do metal precioso na região, representaram resistência, vencida mais tarde pelos novos habitantes.  Apesar da perda de seu território para os “invasores” os nativos contribuíram muito para a formação dos costumes culinários da nova sociedade que estava nascendo; portugueses, colonos, índios e escravos, juntos, em um terreno literalmente fértil fizeram brotar as raízes da cultura e por que não da culinária mineira.
Da semente portuguesa nasceu o gosto pela simplicidade das preparações, que salientam as qualidades naturais dos produtos; a sofisticação dos temperos, que eram trazidos da longínqua Ásia.
O perfeito entrosamento entre índios e negros no que diz respeito ao preparo dos alimentos fez com que as sementes afro-indígenas da culinária mineira se fixassem de maneira bastante profunda. Com elas surge o gosto pela mandioca, pelos inhames além do uso de utensílios como, potes, balaios e panelas de barro.
O milho era o alimento mais consumido nas aldeias indígenas passando a ser consumido por todos, desde o trabalhador escravo até os ricos portugueses e exploradores das minas tornando-se um alimento universal na culinária mineira até hoje. Com ele são preparadas diversas iguarias: a broa de fubá vem acompanhada de café; o mingau de milho verde pode ser consumido como sobremesa ou no café da manhã com uma fatia de queijo dentro; o angu é acompanhamento obrigatório do frango que pode ser ao molho pardo (feito do sangue fresco da galinha), com o quiabo ou simplesmente ensopado, constituindo um dos pratos mais típicos de Minas. O milho em forma de flocos também merece atenção em outro prato igualmente famoso, a canjiquinha com costelinha de porco. A canjica do milho também é usada para preparar um doce muito especial, muito consumido atualmente no mês de junho.
A falta de espaço nas vilas e povoados incrustados nas montanhas mineiras fez surgir pequenas hortas e pomares onde produtos de fácil cultivo como a couve, a mostarda, a taioba, o feijão, o próprio milho, o inhame, o cará, a abóbora, a banana e a laranja além de outras frutas, cresciam fornecendo o sustento diário das famílias. Animais de pequeno porte como porco e galinha também eram criados, destes eram usadas às carnes além dos ovos, ingrediente muito utilizado no preparo dos mais diversos pratos. Até hoje as carnes de aves e de porco são as mais usadas na cozinha mineira.
Com todos estes ingredientes nascendo no quintal de casa, aliados à cultura do não desperdício trazida pelos portugueses, criaram-se pratos com uma simplicidade deliciosa.  Pratos como leitão a pururuca, linguiça frita, couve refogada, tutu de feijão, compotas de frutas, frango com quiabo, vaca atolada (caldo de mandioca com costela de boi) fazem da culinária mineira uma das mais fáceis de serem reconhecidas através do seu sabor e características peculiares.
O comércio se intensifica e o papel do tropeiro começa a se destacar, a tropa era o conjunto de burros conduzidos pelos tropeiros, os comerciantes que iam e vinham, traziam e levavam cachaças, sementes, o precioso e raro sal, vasilhames, tudo enfim que se necessitasse transportar e comercializar. A alimentação dessas pessoas era composta de produtos duráveis e secos como as carnes salgadas ou guardadas envoltas por banha de porco para melhor conservação, farinha com feijão (o famoso feijão tropeiro), sementes, brotos nativos e caças abatidas no meio do caminho.
            No final do século XIX a expansão das fazendas leiteiras de Minas inclui de maneira definitiva o leite e seus derivados no cardápio do mineiro. O queijo-de-minas passa a ser o símbolo máximo da mineiridade sendo quase inconcebível imaginar um mineiro que não goste de queijo e das iguarias fabricadas com ele, como o famoso pão-de-queijo. O que era inicialmente apenas um biscoito de polvilho apreciado pelos senhores das fazendas tornou-se um produto nacionalmente conhecido. Atualmente o pão de queijo já é apreciado até em outras línguas.
                        Com tantos pratos deliciosos e com tanta diversidade não é difícil entender porque a cozinha representa tanto para os mineiros. Ela é vista como o santuário da casa. É em torno do fogão a lenha que aconteciam os encontros familiares e as conversas fiadas ou importantes. Até hoje esse costume é preservado pela calma e tranqüilidade mineira no momento das refeições, compostas por pratos apreciados em todo o Brasil, indicando que os galhos da frondosa árvore da culinária mineira, plantada ainda no século XVII pelas três etnias principais que formaram o povo brasileiro, cresceram de maneira forte por todo o território nacional.
           
E como diriam os poetas:

*      “Todos os princípios se desmoronam diante de um lombo de porco com rodelas de limão. Tutu de feijão com torresmo, linguiça frita com farofa.” (Fernando Sabino).

*      “E do prato inteiro, onde havia um ameno jogo de cores cuja nota mais viva era o verde molhado da couve – do prato inteiro, que fumegava suavemente, subia para nossa alma um encanto abençoado de coisas simples e boas. Era o encanto de Minas”. (Rubem Braga)

*      “Nosso não será o petróleo tanto assim. Nossos bem nossos, são o doce de leite e o desfiado de carne-seca. Meu – perdoem-me – é aquele prato mineiro verdadeiramente principal. Guisado de frango com quiabos e abóbora d’água (ad libitum o jiló) e angu, prato em aquarela, deslizando viscoso como a vida mesma, mas pingante de pimenta”. Sem esquecer os doces, “à frente os de calda, que não convém deixem de ser orgulho próprio e um dos pequenos substratos do bem-querer à pátria e do não desentender a nação”.  (João Guimarães Rosa)

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