sábado, 31 de março de 2012

CÉU DA BOCA


Uma das sedes da nostalgia da infância,
e das mais profundas, é o céu da boca.
A memória do paladar recompõe com
precisão instantânea, através daquilo que
comemos quando meninos, o menino que fomos.
O cronista, se fosse escrever um livro
de memórias, daria nele maior
importância à mesa de família, na cidade
de interior onde nasceu e passou a meninice.
A mesa funcionaria como personagem ativa,
pessoa da casa, dotada do poder de reunir
todas as outras, e também de separá-las,
pelo jogo de preferências e idiossincrasias do
paladar – que digo? da alma, pois é no
fundo da alma que devemos pesquisar o
mistério de nossas inclinações culinárias.

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
A BOLSA E A VIDA
RIO DE JANEIRO, 1962

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